“Um homem procurava a noite algo no chão debaixo de
um poste de luz. Alguns amigos vinham passando e perguntaram: – O que
estás procurando?
O homem respondeu: – minha carteira de
identidade.
Então os amigos se puseram a ajudá-lo. Passado
algum tempo sem nada encontrar perguntaram: – Tem certeza de que perdeu sua
carteira aqui?
O homem responde: – Perdi lá atrás.
Indignados os amigos disseram: – Então porque você
está procurando aqui se a perdeu em outro lugar?
O homem respondeu: – Porque aqui tem mais luz.”
Há quem afirme que sem desejos não vivemos. Isso
também é verdade, na medida em que são eles que nos fazem correr atrás de
conquistá-los, nos mantendo em movimento que é a essência da vida. Mas afinal,
o que é um desejo e até onde isso pode me fazer mais mal do que bem?
Precisamos partir do pressuposto que se desejo algo
é porque não tenho. Isso vale para tudo, afinal ninguém deseja o que já tem.
Também foram os desejos de viver melhor e com mais conforto e segurança que
impulsionaram não só a tecnologia como também as guerras e todos os conflitos
por posse do que quer que seja.
Outro ângulo a ser explorado é que se desejo alguma
coisa material ou mesmo uma pessoa (relacionamento), filosofia, religião etc.,
esse sentimento traz em si a certeza de se o desejo for alcançado, me fará mais
feliz e meu ego será preenchido de forma a me sentir com mais poder e
valorizado. Isso se dá, justamente, por ter agregado a minha identidade pessoal
esse objeto, pessoa ou o quer que seja. Por isso preste atenção nesse ponto,
pois para lidar melhor com os desejos é preciso entendê-los.
Todo o desejo atinge seu clímax no momento da sua
obtenção e, a partir desse instante já começa a experimentar um declínio que
logo se tornará um vazio, de onde surgirá o próximo e assim sucessivamente.
Dessa forma, desejar alguma coisa está intimamente
ligado a nossa eterna busca por felicidade e realização. Em nossos tempos, a
mídia trabalha isso com maestria criando diariamente necessidade em uma série
de objetos que, segundo a propaganda, trarão mais realização e admiração das
demais pessoas. Então a estorinha (comercial) é repetida muitas vezes,
martelando essa ideia em nosso subconsciente e, daqui a pouco, foi criado mais
um desejo, que me fará acreditar, consciente ou inconscientemente, que dessa
vez, quando tiver esse objeto, finalmente serei quem quero ser e até agora não
consegui. Esse processo da mídia é ainda mais maldoso, afinal ela separa as
pessoas em grupos; os que têm o objeto e, portanto são inteligentes, bem
sucedidos e felizes e os que não têm, que estão fora desse “seleto” grupo de
pessoas especiais. Assim, como ninguém que ficar de fora, a pessoa se mata de
trabalhar, abrindo mão do seu lazer e da convivência com pessoas importantes
atrás de uma marca que o incluirá no grupo dos “bons”.
Justamente por isso as mídias são normalmente
estreladas por pessoas famosas, passando a ideia subliminar que ter aquele
produto ou serviço me tornará igual a ela.
Assim, hipnotizados (essa é a palavra correta)
diante da televisão, rádio, internet e até mesmo andando pela rua em uma
poluição de outdoors dos modelos dos mais antigos aos mais modernos, com muito
som, movimento e cor, vamos sendo sugados pela moda, pelos carros, eletrônicos
e roupas atrás de realizar nossos mais recentes desejos que também chamamos de
“sonho”.
Qual é o problema real dessa situação? Com o tempo,
até mesmo porque quem nos educou também sofreu com isso, vamos transferindo
para um objeto atrás do outro, relações de todos os tipos, filosofias e
religiões a solução em busca de valorização e admiração dos demais. Obviamente
isso nunca terá fim, porque o sistema, cada vez mais veloz e necessitando do
dinheiro dos desavisados, faz com que tudo saia de moda e perca valor cada vez
mais rápido. Andei até observando, que até mesmo as casas, que sempre eram
feitas “para sempre” já são objetos da moda, com desenhos arquitetônicos que
mudam de poucos em poucos anos.
Tem saída?
A saída é buscar uma consciência lúcida que permita
fazer uma simples pergunta que muda tudo: Até que ponto realmente preciso
disso? E isso vale caro leitor para tudo.
Sem essa percepção pró ativa essa máquina de moer
que é nossa sociedade vai vitimá-lo sem esforço. De onde você acha que vem a
crise de ansiedade que assola o mundo? Vem principalmente do medo de não
conseguir realizar os desejos e, portanto, de não ser feliz. Pense bem e é bem
possível que concordes comigo.
É óbvio que precisamos de coisas para sobreviver e
isso é bem diferente de desejo em certo sentido. Maslow em sua famosa pirâmide
de necessidades mostra que não almejamos autoestima se, por exemplo, estivermos
com fome. Que só pensaremos em realização pessoal se nossas necessidades
básicas estiverem supridas, bem como etapas anteriores como pertencer a grupos
e nos sentirmos seguros.
Então, o grande problema é que estamos vivendo um
tempo que devido a essa manipulação do desejo, vemos pessoas correndo atrás de
coisas que não poderiam ter, já que itens anteriores e fundamentais não fazem
parte ainda de suas vidas. Toda a grande farsa consiste em oferecer atalhos
ilusórios em busca de felicidade pela adoção do paradigma do que se deve ter e
de como nossa vida será maravilhosa se seguirmos a cartilha imposta pelo
sistema. Isso leva inevitavelmente a angústia e o medo de não atingirmos o que
se espera e nossa vida seria um fracasso. Assim se escraviza e manipula toda
uma sociedade, pelo medo!
A sabedoria nos mostra que podemos ter tudo, mas
que precisamos de uma relação de qualidade com a materialidade e que não
adianta buscar fora o que só pode ser encontrado dentro de nós através de novos
pensamentos e percepções. Se não fizermos paradas e refletirmos sinceramente
sobre como estamos levando nossa vida seremos inevitavelmente engolidos pela
doença do consumo e nos tornaremos verdadeiros zumbis, vagando pela vida, sem
perceber sua passagem por estarmos sempre olhando lá na frente, na próxima
aquisição, no próximo relacionamento, em busca do descanso (segurança) que,
para a grande maioria das pessoas, já poderia estar sendo curtido nesse exato
momento.
O mais engraçado disso tudo é que tudo que estou
dizendo todos dizem já saber, mas porque então essa situação não muda? Pelo
simples fato de não praticamos o que sabemos que devemos fazer por puro
medo de ser diferente e sermos excluídos. Não queremos ser chamados de “loucos”
por nossos amigos e familiares, perdermos o respeito e a admiração das pessoas.
Assim, preferimos a doença em conjunto ao invés da loucura de estarmos
enxergando, em uma terra de cegos que estão sendo guiados por interesses nada
humanísticos.
Não é errado pensar no futuro, fazer planos e
tomar providências, mas viver o tempo todo com a consciência no que virá (?) é
o grande erro. O nome disso é ansiedade que é o alicerce por onde se erguem as
doenças psicossomáticas e autoimunes.
Mas talvez o grande problema do desejo em si é
apenas um: nenhum tem o poder de solução, mas todos, eu disse TODOS, são apenas
paliativos de efeito cada vez mais rápido e, logo em seguida, volta a dor e lá
vamos nós atrás do próximo remédio…
Sei que é muito difícil e é quase impossível
suportar a pressão, afinal todos ao nosso lado acreditam nesse mantra. Fugir
para as montanhas meditar não traz nenhuma vantagem só mesmo o descanso de uma
fuga. A vida é aqui e agora e se estamos vivendo nessa grande fábrica de desejos
é justamente nela que precisamos lidar com o problema e avançarmos sobre ele, a
não ser que você ache que nasceu “por acaso”.
Tenha tudo que quiser, vença no mundo material e
isso é mérito! Mas não torne nada fundamental em sua vida que esteja fora de
seu alcance. É lícito pensar em sua velhice, afinal, pode acontecer de você
viver até lá, mas não deixe para viver só quando o horizonte mais próximo pela
sua idade seja a morte. Como diz um amigo: “vou viajar agora, enquanto posso
carregar minha mala”.
Buscar esse ponto de equilíbrio entre o medo do
futuro e viver os bons momentos que são possíveis agora é a espiritualidade. De
nada adianta rezar e rezar e continuar buscando uma coisa atrás da outra em uma
corrida sem fim e sem descanso.
Crescer material e espiritualmente é isso que se
espera do ser em evolução nesse mundo que vivemos. Mas para isso, entender e
dominar os desejos, sempre transitórios, é o primeiro passo em busca do fim do
sofrimento.
O personagem de nossa estória preferiu procurar no lugar
mais fácil (onde tinha luz) do que no lugar onde realmente estava o seu objeto
perdido. E o que eu mais gosto nessa metáfora, que a torna sutil e profunda, é
que ele perdeu a sua identidade…
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